Trampo, cidade e país. As lições de mudar tudo na (e com) a pandemia.


Essa semana teve mesversário da minha mudança para Madrid. Não teve bolinho de 4 meses, mas tiveram algumas reflexões, porque né, não sei você, é o que mais faço nesse período. De verdade, sou muito grato por todo o processo. Depois de um planejamento de cerca de 5 anos, mudei de mala e cuia (literalmente) para Madrid. Cheguei aqui dia 12 de março de 2020. Dia 13 fiz meus documentos, tirei meu NIE e dia 14 chegou o “estado de alarma”. Entramos em lockdown. Ponto final. Nova linha.

 

E que nova linha. Nos primeiros dias ainda tive a companhia do meu marido que veio comigo para ajudar a trazer algumas coisas, assim como a minha sobrinha e algumas amigas dela que vieram passar as ferias aqui. Viemos todos juntos no mesmo vôo da LATAM, cada um com alguma expectativa e todos pegos de surpresa.

 

Leonardo voltou e até agora não conseguimos estar juntos. Minha sobrinha e as amigas iam pra França, mas acabaram voltando porque a França também fechou. A LATAM entrou em recuperação judicial nos Estados Unidos e eu fiquei em Madrid sozinho durante todo o Lockdown. Durante esse processo, mudei de casa 2 vezes, falei talvez com 4 humanos ao longo do processo. Entre eles os dois policiais que bateram num dos apartamentos que mudei para ver o contrato e os meus papeis.

 

Enfim, entre ansiedades, dúvidas, euforia e insônias, fui entendendo o que isso significava aos poucos. Compreender talvez ainda esteja no processo, porque todos os planos e cenários que fiz, esse nunca foi sequer cogitado, porque realmente, não pensei que a distopia devesse ser um dos temas. Nem nos meus delírios mais negativos.

 

Comecei no meu novo trabalho remotamente uma semana depois do combinado, porque obviamente, todo mundo estava se ajustando a esse novo período. Mas comecei e isso foi muito importante. O início foi super estranho. Mesmo com uma certa cultura implementada em toda a empresa e eu já com um prévio entendimento do que teria que fazer, foi complexo entender processos, pessoas, maneiras de pensar e entregas com tudo que isso envolve. Não era somente uma mudança de emprego, mas uma mudança de pais e de maneiras de enxergar processos e briefings.

 

Se você não teve a oportunidade de trabalhar em outro país, conto que é tudo diferente: o humor, a maneira de fazer a apresentação, o humor, a maneira de interpretar as nuances de cada feedback, o humor, os intertextos, o humor e claro as referencias. Entre mortos e feridos, estou vivo e todos estamos respirando. Mas aqui deixo uma lista de coisas que refleti sobre essa caminhada intensa de 4 meses que parecem 10 anos:

 

 

Ninguém sabe pra onde está indo: Se alguém disser que sabe, está mentindo. É um momento sem nenhum precedente na história e não temos respostas concretas e verdades absolutas. Na realidade, elas estão sendo reconfiguradas. Então esteja realmente pronto para abrir mão das suas certezas e do jeito que você pensa e faz as coisas. Já peço desculpa de antemão por dizer que isso é difícil e não vem sem sofrimento. É literalmente sair da sua zona de conforto (WOW!). Você precisa ser generoso. Se os outros não estão e não o são, seja. Você estará muito mais preparado para viver nessa nova realidade.

 

Uma constante sensação de medo. Aqui confesso que entra um pouco uma certa síndrome do impostor, mas não vou falar sobre isso agora. O que tenho sentido é uma insegurança sobre economia, futuro, contaminação, novo lockdown,nova realidade. Tudo misturado e potencializado. Aprendo a conviver tanto com a solidão quanto com o medo de que algo mais severo possa acontecer. É como se fosse meu lado sombra tentando ganhar mais espaço do que ele precisa. É uma luta diária e com as expectativas para que ele não prepondere. Mas aí já entramos no próximo tópico.

 

Viver o momento. Isso é bem difícil pra mim e quem me conhece entenderá. Mas é isso. O que consigo manejar é o dia. Não faço grandes projetos e também não tento jogar as coisas mais para a frente (só uma dieta eventual para queimar uns quilos que apareceram nessa quarentena de abusos). Fiz grandes análises e planejamentos para a minha chegada aqui e como as coisas aconteceriam e nada sairá desse jeito. Sairá de outro, que vamos vendo o dia-a-dia. Mas isso ainda é um exercício grande e diário.

 

Criatividade intermitente. Sim, ela vem e vai. Assim como o sono, a atenção, a vontade de fazer determinada coisa. Mesmo já no “novo normal” (termo que não entendo e que vou falar sobre também futuramente) ainda tenho repiques desses comportamentos. Mesmo podendo sair mais livre e até viajar pela Europa, ainda tenho esses sintomas e acho que a incerteza acaba trazendo picos de maior e menor excitação sobre a vida e sobre as coisas. E claro que isso afeta a minha dinâmica e a geração de bons insights e ideias. E aí vamos para o próximo ponto:

 

Temos (e podemos) tirar momentos para respirar. Sim, o que aprendi que com o trabalho em casa é que a gente acaba obviamente trabalhando mais. Eu trabalhei muito mais nesse lockdown e inclusive conscientemente como uma muleta para ocupar a cabeça e o tempo. Sigo ainda numa dinâmica de adaptação de horários, mas construí algumas coisas que fazem sentido para a minha realidade de agora. Tento obviamente manter a rotina de trabalho a mais parecida com a de antes. O que adicionei foram outras práticas e momentos que me ajudam a tirar o peso e a reenergizar e reconfigurar o olhar sobre as coisas. Ajuda no meu processo criativo e também a que as coisas fluam melhor. Entendi que a procrastinação pode ter o seu espaço de alguma maneira.

 

A cultura (da empresa) precisa ser evidente. Sim, precisamos falar de cultura corporativa. Pode ser que adotemos rodízio de pessoas. Pode ser que o RH das empresas vai ter que pensar como ajudar os funcionários a trabalharem desde casa e os benefícios sejam Internet Rápida e vale home-office. Pode ser um monte de coisas, mas o que não pode mais e que ficou exposto com o COVID-19 é improvisar na gestão de pessoas, na organização, inovação e empoderamento. Algumas empresas pararam porque não estavam preparadas para tomar decisões rápidas a distância ou fazer os seus fluxos acontecerem nesse período. Assim que, definitivamente, as pessoas precisam entender o que fazem, o porquê do negócio e como contribuem para isso. Parece pouco, mas isso é muito para se deixar claro para todos os colaboradores. E dialogar sobre isso. Cuidar de dentro já deveria ser uma prática verdadeira. Hoje em dia, será o que transformará os negócios e os levará para a frente.

 

A atenção é menor. Seja breve. Falamos ainda através de máquinas. É difícil manter a energia e a atenção das pessoas com telas, interfaces que se movem, internet que oscila e áudios que falham. O que tenho aprendido é ser bastante objetivo no que tenho apresentado e a ser ainda mais claro e autoconclusivo. O que tem ajudado é desenvolver e exercitar novos formatos de apresentação e frameworks para melhorar a comunicação e o facilitar o processo de aprendizagem da audiência. Nunca a especialização de UX que fiz fez tanto sentido.

 

Bem, essa tem sido a minha jornada. Cada um tem a sua e os seus aprendizados. E aqui só relatei o que importa para este contexto profissional. Mas algo que já tenho claro é que a nossa sociedade não está preparada para prevenir e atuar numa pandemia como essa. Mais que colocar nosso sistema produtivo em choque, o COVID-19 nos colocou em choque. Revelou que governos não estão preparados para lidar com o tema; muitas organizações não entendem a dimensão do problema e a sua participação nisso; muitos humanos não conseguem sair da sua bolha e do seu conforto e privilégios. Nunca o euXvocês esteve tão visível como hoje, seja em países, na política, nos empresários e suas declarações toscas, na sociedade e suas práticas bizarras. Existem inclusive os quarenteners e os não quarenteners.

 

De qualquer maneira, sigo respirando, com trabalho, num outro país com uma visão mais estruturada para o combate a pandemia e sou grato por isso. Viver a pandemia numa confusão política e duplamente desgastante e não invejo o Brasil por isso.

 

Estou de um lado motivado para o que vem, pois nunca criatividade e inovação foram/serão tão importantes para esse período que chega. Mas sigo apreensivo com um mundo que pode ser menos livre, mais autoritário, com menos possibilidades e afetos. Por isso tudo estou diferente. Não sei ainda colocar em palavras o que estou me tornando e o que penso sobre o que projetarei para a minha vida profissional e pessoal daqui pra frente. E isso assusta. Mas também traz um frio na barriga. E se tivesse que descrever o que mais tenho sentido, é um frio contínuo na barriga. Bom ou ruim ele ta ali, me dizendo que a vida não poderá e nem será como antes. Mesmo que neguemos esse fato. E tudo o que passei e os pontos que aprendi e relatei acima, me ajudam a transformar essa sensação na coisa mais positiva que ela possa parecer.

 

E você como tem passado por esse período?

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